Sinceridade e livros.
Aprendeu a ser sincera. Mas não aquela sinceridade que se
limita à apenas não dizer mentiras, mas a sinceridade que vai além da pureza.
Não se tornou santa, muito menos uma pessoa melhor, porém o alívio que essa
sinceridade proporcionava lhe causara o efeito inevitável de desejar a
reciprocidade.
Reciprocidade é justamente o substantivo que não combina com
o adjetivo sincero. O que esperar do outro que não aprendeu a sinceridade?
Aquela que não se limita, logo aviso.
Essa sinceridade é mais do que palavras rasgadas ao outro, é
deixar rasgar-se também; sentir a dor de magoar quando poderia facilmente
omitir. É, a omissão também entra nesse ciclo de dores, não esconder e não
mentir, optar pelo modo difícil, escolher cicatrizes além de flores e no final
sentir a felicidade incontestável de ser o que realmente é.
Aprendeu e não recebeu a temida reciprocidade, detalhava
seus dias e acontecidos com a veemência de quem reza à Deus. O medo de cada
frase que transbordava de seus lábios era nítido, pois poderiam ser fatais, mas
falava e falava e falava mesmo com o medo, mesmo com a sensação de haver dias
infernais porquê estava sendo o mínimo que poderia ser: ela.
Virou-se e viu um livro novo na cabeceira do outro lado,
estava sozinha e ler seria a melhor opção para uma aprendiz de literata, e ao
abrir deparou-se com um nome na folha de rosto: Raquel Morais. Um descuido, uma
opção, um nome. Três fatores arrasadores à recíproca não verdadeira.
Arrumou as malas, avisou que iria embora com a plenitude que
só a decepção ensina, pediu pra esperar enquanto não chegava do trabalho, pediu
pra não ir embora, acatou.
Guardou as malas num canto, acendeu um cigarro e escreveu.
Quem sabe um dia todas as suas pseudo-escrituras também
estariam na cabeceira de alguém?
Um livro sem espaços em branco para não haver o nome de
ninguém.